Vamos falar sobre roteiro?

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Em abril, a Egbé promove a oficina “De onde nasce o roteiro?”, com a roteirista Jéssica Maria Araújo. Uma oportunidade para quem desejar saber um pouco mais sobre o universo da escrita de um roteiro. Por isso, para entrar no clima e já entender um pouco como será esse encontro, conversamos com a ministrante da oficina.

Jéssica, que faz parte da equipe de curadoria da Egbé e, há seis anos, é membro da equipe fixa da Mostra, já atuou em várias produções cinematográficas, tendo participado da roteirização de curtas como “CLANDESTINO”, dir. Baruch Blumberg, e “AVE SECA”, dir. Carol Mendonça.

Vamos conferir um pouco dessa conversa?

EGBÉ: A escrita do roteiro é pautada por uma estrutura, por uma técnica. Mas antes da estrutura, há algo essencial para a construção de uma história. A sua oficina na EGBÉ tem como título “De onde nasce o roteiro”. Poderia explicar a proposta que esse título traz? Jéssica Maria: A proposta surgiu como reflexo da minha própria experiência com o estudo do roteiro. Durante o curso de audiovisual na UFS me interessei pela área do roteiro e continuo, desde então, buscando aprimorar meus conhecimentos sobre forma/estrutura. Em um certo momento me deparei com o sentimento de conhecer um pouco da forma, mas não saber em qual fonte ir buscar essas narrativas. Por isso, a proposta da oficina é justamente incentivar cada pessoa a investigar, a partir de exercícios práticos, os possíveis canais por onde podem surgir as ideias cinematográficas.

EGBÉ: Você atua há muitos anos no cenário audiovisual. Como você percebe a importância de formar pessoas na escrita de roteiros? Como essa formação pode influenciar o mercado?

JM: É provado que a formação profissional é importante. O investimento em criação de cursos de formação acadêmica, e outras iniciativas formais de capacitação, além de leis de incentivo à produção cultural como um todo, impulsionaram um crescimento no setor cinematográfico brasileiro que resultou em produções de grande destaque. Nacionalmente a comprovação dessa máxima de que a formação é fundamental para o mercado é concreta. Especificamente na área de roteiro temos festivais que ainda lutam pela manutenção de um cenário, e temos vários profissionais hoje que trabalham na roteirização de séries, filmes e curtas para produções de plataformas de streamings, como é o caso da Carol Rodrigues, Thais Fuji, entre outres. Localmente o investimento por parte da gestão pública sempre foi incipiente, ações tão espaçadas que, de verdade, talvez nem possamos considerar que fazemos parte desse quadro nacional descrito antes. Como roteirista e realizadora parto sempre da noção de que o audiovisual é coletivo. Mesmo o roteiro que, por princípio, aparenta ser um processo mais isolado. Por isso, acredito que a formação e, mais ainda, as trocas e diálogos são fundamentais para o crescimento dos profissionais e, consequentemente, do cenário.

EGBÉ: Você participou da roteirização de alguns curtas sergipanos premiados como CLANDESTINO e AVE SECA. Como se deu, para você, o processo de trabalho nesses dois filmes?

JM: Foram duas experiências bem diferentes e muito ricas em suas particularidades. O roteiro do Clandestino foi meu projeto de TCC, em parceria com Renan Sobral e Baruch Blumberg. Adaptamos o conto Amor Clandestino e tivemos a chance de pesquisar e aprofundar nosso conhecimento sobre a produção de cinema infantil no mundo, como forma de nos familiarizarmos com as narrativas desse universo. Com o tempo, agreguei ao roteiro várias noções dessa pesquisa, mas também muitos elementos afetivos, como estórias que a minha mãe me contava na hora de dormir, ou personagens icônicos de municípios daqui de Sergipe.

Já para o Ave Seca fui convidada pela diretora Carol Mendonça para trabalhar com ela uma ficção baseada em um fato histórico que foi a seca que atingiu vários estados do país entre 1979 e 1983. Nesse caso, nossa pesquisa foi em loco, com moradores do sertão sergipano e tivemos a oportunidade de conversar com pessoas que vivenciaram as sequências que queríamos retratar no curta. O desafio e a preocupação eram maiores no sentido de manter uma conexão e verossimilhança com as histórias compartilhadas por esses moradores, que inclusive participaram efetivamente da produção como figurantes e consultores.

EGBÉ: Para quem está começando a escrever é sempre bom ouvir sobre a experiência de quem já tem prática na área. Você poderia comentar um pouco sobre o seu processo criativo, de que forma as histórias nascem em você, como você costuma trabalhar para desenvolvê-las?

JM: Acho sempre muito complicado descrever um processo, pois cada experiência se dá de uma forma. Mas algumas coisas são fundamentais hoje pra mim. Estar atenta para as possíveis ideias, sejam elas vindas de memórias, sonhos, conversas. Pesquisar muito sobre o tema e gênero cinematográfico que pretendo seguir para desenvolver aquela ideia. Pensar a ação de escrever como algo ritualístico, um momento dedicado àquele fim, com uma vela para iluminar o caminho, além de escolher a trilha ou música que dialoga com a sensação do filme que está sendo tecido. Sabendo que vou ouvir aquela mesma música quantas vezes forem necessárias até que o ritmo tome conta da escrita.

EGBÉ: O tema da EGBÉ deste ano é Afeto e memória. Como você percebe esses dois elementos na construção de uma história?

JM: Gosto de observar a palavra AFETO a partir de uma análise proposta por Márcia Tiburi. A origem de AFETO vem do termo afetar, que significa provocar alguma coisa no outro. O afeto é uma condição humana que por si só reivindica a troca com o outro. “Exemplo de bom afeto é aprender a respeitar o diferente, mesmo que ele não seja aquilo com que eu me identifique. É respeitar tudo o que a pessoa tem de bom, mal, feia, bonita, enfim. O processo de reconhecer o outro é o processo de reconhecimento do espelho de si mesmo. Todas as diferenças do outro fazem parte da minha própria diferença.”, diz Márcia. Acredito profundamente que somente através dessa busca pelas memórias pessoais e emocionais, podemos acessar uma visão sobre nós mesmos que permita um olhar afetuoso sobre nós e sobre o outro. E só dessa forma é possível construir histórias.