Quando o cinema vai à praça

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Na noite da última quarta-feira, 20, quem passou desavisado pela praça Ulisse Guimarães, localizada no bairro Santos Dumont, Zona Norte de Aracaju, se deparou com uma movimentação diferente. Em vez da prática de esportes, uma tela estendida proporcionou um verdadeiro cinema a céu aberto com a exibição de três filmes, entre eles, o Alma no Olho, de Zózimo Bulbul, nosso homenageado nesta sétima edição da Egbé Mostra de Cinema Negro. O segundo evento presencial da mostra também exibiu Geruzinho, de Luli Morante, Juliana Teixeira e Rafael Amorim, além de Ímã de Geladeira, dirigido por Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo.

Tendo como primeiro nome Anipum, o Santos Dumont, é um dos bairros mais populosos da capital sergipana, e a exibição dos filmes em praça pública veio, também, como uma forma de cumprir o papel político que o Cinema Negro propõe. “Realizar essa exibição presencial, em um bairro gigante com uma história forte cultural preta e indígena foi muito feliz. É estar onde, realmente, o nosso público está.” destacou Luciana Oliveira, diretora geral da Egbé.

Luciana Oliveira também enfatizou a importância da exibição do Alma no Olho, filme da década de 70 que inaugura o Cinema Negro no Brasil. “É um filme tão forte e tão importante em tempos atuais e, certamente, foi a primeira vez que alguns espectadores que ali estavam assistiram. É um filme que reverbera e estamos muito felizes com esse momento”, disse, acrescentando que a intenção é trabalhar mais a itinerância da mostra, principalmente, em bairros periféricos na próxima edição.  

Para o líder comunitário Enézio dos Santos, ações como essas são positivas por quebrarem a monotonia do bairro e por derrubar preconceitos, geralmente, associados a comunidades periféricas. “As pessoas pensam na periferia e pensam em violência, em coisas ruins, mas aqui, nós temos pessoas de bem, temos trabalhadores, jovens. Eventos culturais são importantes porque incentivam as pessoas a seguirem o caminho do bem, da cultura, do lazer”, afirmou entusiasmado. 

Já Lu Silva é montadora e morou por vários anos no Santos Dumont, assim como Enézio, Lu Silva acredita que iniciativas como a da Egbé são extremamente importantes para agregar cultura à comunidade. “Normalmente, as comunidades periféricas são excluídas de processos culturais. Estar com a Egbé, aqui, que trata de temáticas que perpassam pelas realidades das pessoas do bairro é importante. São pessoas, em sua maioria, negras que muitas vezes desconhecem sua própria realidade ou não se encontram representadas nas telas. Se ver numa tela grande, se sentir representado e estar pautado por discussões que possam ampliar seu olhar é importantíssimo”, ressaltou a montadora. 

Bate-papo

Com a proposta do aquilombamento em suas raízes e, também, da democratização e difusão do Cinema Negro, a mostra valoriza a troca e o diálogo junto ao público. Não à toa, ao longo desses sete anos de história, a Egbé já realizou exibições em comunidades quilombolas e ribeirinhas do interior de Sergipe, além de escolas e, mais recentemente, no Museu da Gente Sergipana, em Aracaju. Todos eles abertos ao público. A noite de quarta-feira foi mais um exemplo disso, e os realizadores e realizadoras de Geruzinho e de Ímã de Geladeira tiveram a oportunidade de comentar sobre o processo de feitura dos seus filmes, além de responder às perguntas do público.

Para Luli Morante, co-diretora de Geruzinho, ter a oportunidade de exibir o filme na praça, dentro da comunidade e com acesso livre é de extrema importância. “A gente não faz filme para manter na sala de cinema o tempo inteiro, a gente faz para que seja assistido, então é muito gratificante porque o cinema é para todo mundo.”, afirmou, complementando, ainda,  a riqueza de poder acompanhar a reação do público enquanto o filme segue na tela. “Sentir como as pessoas respondem ao que a gente está produzindo é massa, e é muito interessante ouvir as perguntas da galera. São perguntas que a gente não tinha tido porque estávamos assistindo de forma online. Quando a gente vem para uma praça, um espaço aberto, a gente tem outra relação com o material, bem diferente e muito melhor”, enfatizou.

Sidjonathas Araújo, co-diretor de Imã de Geladeira, acredita que espaços como os que a Egbé proporciona são fundamentais para o Cinema Negro. “Reverencio mesmo esse trabalho que vem sendo feito e, hoje, só mostra como o cinema preto é latente em Sergipe, como é possível fazer cinema e discutir com as pessoas sobre nosso trabalho”, afirmou Sidjonathas, acrescentando estar muito honrado em fazer parte do programa que incluiu Alma no Olho, de Zózimo Bulbul e, seu contemporâneo, Geruzinho. 

Tiago ZN, cantor e compositor do Santos Dumont, também se animou com a iniciativa da Egbé. “Achei muito massa porque é a primeira vez que rola uma parada aqui envolvendo cinema, é muito positivo”. Tiago ZN não só assistiu como também participou do diálogo com os realizadores e realizadoras. “Gostei do Imã de Geladeira, mas fiquei um pouco sem entender, mas quando ele explicou, caiu a ficha e foi muito bom”, finalizou o artista.