O resgate de memórias afetivas no Cinema Negro

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Não é preciso um olhar muito minucioso para perceber que, historicamente, famílias pretas são retratadas de maneira semelhante na maioria das produções audiovisuais no Brasil. Quase sempre, são pessoas que vivem num lugar de dor, na pobreza, em meio às tragédias diárias onde o espaço para a felicidade e boas memórias torna-se ínfimo, quase inexistente. No entanto, narrativas sobre o resgate de nossas memórias afetivas têm ganhado cada vez mais espaço, pois, além da reconstrução de uma memória histórica, cineastas negres têm buscado recompor esse lugar simbólico que tanto nos humaniza.

Pensando nisso, no último sábado, dia 20, foi promovida, em nosso canal do Youtube, uma live entre os realizadores dos filmes “Ruína” dirigido por Elisa Lemos, Rafael Amorim e Juliana Teixeira e “2704 Km”, dirigido por Letícia Batista. No encontro mediado por Luciana Oliveira, produtora da Egbé, foram discutidos os processos de produção dos curtas que tem como um dos pontos de intercessão o uso das imagens de arquivo para a construção de seus enredos.

“Venho percebendo como essas imagens têm sido recorrentes para que a gente possa contar essas histórias. Tenho refletido, também, como essas histórias nos foram negadas nas narrativas do cinema brasileiro e da própria televisão brasileira. Nas novelas, por exemplo, a gente não tem nossa subjetividade enquanto família, é bem raro”, ressalta Luciana, dando início à roda de conversa.

Processos de cura

O fazer artístico, seja ele no campo do audiovisual ou não, traz a possibilidade de escoar os mais diversos sentimentos sem que eles sejam podados pelas construções socioculturais às quais somos submetidos. É uma espécie de passe livre para explorarmos nossas dores e anseios e transformar tudo isso em arte.

“Dentro desse contexto sombrio, macabro e de real fim do mundo, a gente conseguir encontrar um espaço para vazar da forma como vem, da forma como flui, literalmente deixar a arte acontecer pela ponta dos nossos dedos, não é só processo de cura, como também é prevenção do problema”, comenta Elisa, uma das realizadoras de Ruína que também foi atriz no vídeo carta. Já fazendo referência a uma cena de “2704 Km”, de Letícia Batista, na qual ela aparece abraçando sua mãe, Rafael complementa: “Para mim, se volta como um respiro. Tentar entender o poder desse abraço e como ele pode se comunicar comigo e se comunicar com as outras pessoas que estão passando por coisas similares”.

Documentário x ficção

No final dos anos 50, Jean-Luc Godard escreveu a seguinte máxima: “Todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, como todos os grandes documentários tendem à ficção”. Em ambos os filmes exibidos na Mostra Afeto o aspecto documental é bastante claro, já que o uso de material de arquivo foi grande parte do processo, mas onde entra a ficção? Será que há mesmo espaço para esse lado do cinema? “Mesmo o documentário vai ter ficção, principalmente, quando a gente fala de memória. O ‘2704 Km’ não é totalmente um documentário, dá pra colocar como um pouco de ficção. O jeito de manipular do cinema, na montagem, permite isso.” comenta Letícia, fazendo alusão à uma cena de seu filme na qual ela usou imagens de arquivo da sua festa de aniversário de sete anos para ilustrar a narrativa de um outro evento. “Foi uma forma de eu colocar em imagem o que eu estava pensando.”, finaliza.

A live encontra-se disponível, na íntegra, em nosso canal do Youtube.

Clique para conferir!