As memórias da infância nem sempre são belas e coloridas, como a maioria de nós gostaria. Tempo de medos enormes, vulnerabilidades e descobertas, a infância traz consigo o mundo e seus monstros. Neste mundo, habitamos confusos, inseguros, eternas crianças. Mas é na infância também que a beleza e o amor têm maior efeito em nós. As memórias afetivas são aqueles instantes de fugaz delicadeza, de ternura que nos toca tal qual bolha de sabão espocando em nosso coração e se cristalizando para sempre em nosso baú de memórias. Abrir esse baú, às vezes, é doloroso. Mas também pode ser catártico, mágico.
De vez em quando deveríamos abrir o baú de nossa infância, escolher o brinquedo favorito, o amigo imaginário, o colinho da avó, ou as bolinhas de gude perdidas na partida. Deveríamos poder tocar nossas memórias afetivas sem medo de nos machucar, pois essas memórias, quando iluminadas, podem recuperar a nossa vida e recompor nossos afetos.
Esse ano, a EGBÉ quer tocar a criança que fomos, somos e sempre seremos, pois ela vive em nós. Queremos jogar luz sobre os momentos de beleza e afeto, ressaltando o sentimento e as vivências humanizadas de nossas crianças pretas. Convidamos alguns membros da nossa equipe que, generosamente, aceitaram tocar em algumas memórias. Partilhamos aqui as joias que encontramos ao abrir o nosso próprio baú:
“Quando eu era pequena, sempre saía para pedalar com meu pai. Era a maior emoção cruzar o portão de casa com tanta independência e liberdade, mesmo que painho estivesse logo atrás, claro. A impressão que eu tinha, no entanto, era de estar atravessando o mundo com minha monark roxa quando, provavelmente, a gente não ia muito além de duas ou três quadras. Um dia caí. Na verdade, eu bati e depois caí. Foi uma batida bem feia, dessas que nos projeta para frente. Ralou tudo. Mãos, braços, pernas. Veio o maior choro. Eu não queria mais pedalar, estava assustada e com as pernas bambas. Eu queria que ele me carregasse e ele me mandou subir. Não nas costas nem na bike dele, mas na minha monark roxa. Chorando, tive que voltar por mim mesma. Quando chegamos em casa, eu já tinha parado de chorar e, provavelmente, teria esquecido o acidente se não fosse pelos ralados. Painho pegou a mangueira e, ainda na porta, me tratou com água corrente e risadas calorosas.”
(Morgana Brota, assistente de comunicação da EGBÉ).
“Uma das memórias que mais amo da minha infância eram os domingos em família que meu pai pegava a combi dele e enchia com meus irmãos e amigos e tínhamos sempre um domingo de diversão, geralmente praia ou piscina, depois almoçar, às vezes íamos para alguma sorveteria e voltávamos para casa no final do dia, sempre muita alegria e claro muita música, pois meu pai é músico e a cantoria era garantida sempre! Eram domingos super especiais”. (Thiara Meneses, Direção de Marketing EGBÉ)
“Lembro de caminhar com minha Vó Dió aos sábados até a rodovia. Nós duas íamos bem devagarinho. Ela apoiada em mim e na bengala. Eu segurando a bolsa antiga com flores gastas de tantas viagens. A gente se sentava no meio fio e ela me contava de novo sobre o dia em que ela arremessou uma faca no meu avô enquanto esperávamos o ônibus pra Muribeca”.
(Jéssica Maria, coordenação de curadoria da EGBÉ)
“A memória de infância que gosto muito é dos fins de semana na casa da minha avó, no interior, no sítio. Eu me divertia muito, porque é a terra né? A gente podia brincar na terra, na casa de farinha, eu, minha irmã e minhas primas adorávamos, era a maior sensação. Brincávamos muito. Consigo lembrar do cheiro da farinha, dos beijus que minha avó fazia e minhas tias. Nos dias em que minhas tias se reuniam para fazer a farinha, todo mundo se reunia em grupo, em roda. Gosto muito dessa lembrança. Minha avó tinha um laranjal enorme, eu amava catar laranja. Atravessar o pasto… tomar banho no riachinho, beber água do pote geladinha e fresquinha. Era uma época em que por lá ainda não havia luz, então usávamos candeeiro, todo mundo junto, a mesa farta, o café da manhã com muita comida. Essas são as melhores lembranças para mim.”
(Luciana Oliveira, produtora EGBÉ)