Um dia muito caloroso, repleto de atividades lúdicas e educacionais marcou o início do mês de outubro na Ocupação Beatriz Nascimento, localizada no bairro Japãozinho, em Aracaju. Em comemoração ao Dia das Crianças, 12, a Egbé Mostra de Cinema Negro, em parceria com o Coletivo Camaleão Urbano, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Doca e o Hope Skate Board, levou diversão, entretenimento e cultura para as mais de 50 crianças que residem no local durante o feriado. Com uma curadoria especialmente selecionada para a data, a Egbé exibiu dois curtas infantis que encantaram não somente as crianças, mas, também, todos que compareceram à festa.
Com a proposta de democratizar e difundir o acesso à potente produção cinematográfica negra no Brasil, a exibição faz parte do circuito itinerante realizado pela Egbé depois das semanas da mostra que ocorreu em abril. “A gente tem uma mídia e um cinema comercial que atende, principalmente, à uma lógica eurocêntrica. Então quando proporcionamos para as crianças filmes que não estão na TV, a gente tem a oportunidade de apresentar outras narrativas do que é ser criança, a gente permite que nossa população preta infantil possa se identificar com histórias que tenham muito mais a ver com a realidade delas”, destacou Luciana Oliveira, diretora geral da Egbé.
Para Luciana, a educação de base é a que precisa ser mais fortalecida com referências de imagens que colocam a criança preta num espaço de protagonismo, para que ela possa fortalecer a autoestima desde cedo, entendendo sua imagem e negritude. “O cinema negro tem a possibilidade de abrir conexões como essas e de fortalecer também as discussões necessárias para que a gente se fortaleça cada vez mais”, complementou Luciana.
Maria das Graças Santos, coordenadora estadual do MTST e líder comunitária da ocupação, também reconhece a importância dessas ações. “É importante tirar as crianças da rua e, até mesmo, incentivá-las a um outro meio. Os filmes trazem ideias diferentes, então só nos resta abraçar eventos como esses, recebendo de braços abertos”, enfatizou Maria das Graças com olhos de contentamento, observando as crianças no local.
Parceria
A exibição se fez possível através da parceria com o Coletivo Camaleão Urbano, que desde 2018, promove ações socioeducativas ambientais na Ocupação Beatriz Nascimento, além de projetos com urbanismo colaborativo realizando ações junto a outras pessoas, entidades e órgãos. “Acho que o cinema é uma ferramenta incrível e que alcança as crianças muito bem. Há relatos na ocupação de adolescentes que se sentem deprimidos por conta da condição social. Além da raça, da cor, tem a questão financeira e, quando junta esses dois, fica bem difícil pra pessoa se empoderar e se reerguer para trabalhar. Vejo o audiovisual como uma ferramenta de empoderamento”, destacou a arquiteta e urbanista Dauane Santana, do Coletivo Camaleão Urbano, que já enxerga a parceria com a Egbé como de longa data. “A Egbé tem um propósito sensacional que a gente vê pouco aqui no nosso estado, criar essa rede vai ampliar o horizonte, e a gente vai alcançar mais pessoas combatendo a discriminação, levando o empoderamento para quem precisa”, afirmou entusiasmada.
Rubia dos Santos vive na ocupação com suas filhas e netos e também vê com bons olhos eventos como o realizado no dia 12. “Nossas crianças não saem, ficam muito presas aqui dentro, então essa é a diversão que a gente tem. Elas brincam e aprendem muitas coisas com os filmes. Nós, que somos mães, também ficamos felizes vendo nossos filhos e netos alegres, brincando e sendo felizes. Está sendo uma tarde muito alegre”, reforçou.
Fotos: Odara Evans / Egbé
Exibições
Òpárá de Òsùn quando tudo nasce, com direção de Pâmela Peregrino, traz uma história da Orixá das águas doces Òsùn, a deusa da fertilidade no Candomblé, foi o primeiro curta a ser exibido. Luciana Oliveira destaca que, além de ser uma animação, o filme também se conecta com algumas religiões de matriz africana ao dia 12, fazendo sincretismo com Nossa Senhora da Aparecida. O dia 12, explica, também é dia de Erê, ser espiritual infantil. “Achamos legal trazer esse filme porque além de causar diversão no público, fazemos essa conexão importante com a data”, destacou.
Logo em seguida, foi exibido Lily’s hair, com direção de Raphael Gustavo da Silva, trazendo a história de uma garota negra que não gosta dos seus cabelos, mas que com a ajuda de Caio, seu amigo cadeirante, tenta ter os cabelos do jeito que sempre sonhou. Para A.S. de oito anos, esse foi seu favorito. “Achei a cartomante interessante porque prevê o futuro e gostei muito da música”, afirmou, tentando equilibrar o saco de pipoca no colo, companhia ideal para uma tarde com filmes. Já M. O. disse ter tido o Òpárá de Òsùn como preferido, com seus personagens e cenários compostos por massinha de modelar.