Em 2021, a Mostra de Cinema Negro de Sergipe – EGBÉ escolheu como tema a celebração da memória afetiva. Mas celebrar a criança preta que vive em nós, a criança preta que fomos, abrir álbuns de família e tocar as memórias afetivas que nos compõem é um desafio num país que teve, em 2019, ao menos 4.971 crianças e adolescentes mortos de forma violenta. É o que mostra o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número representa 10% do total de mortes violentas do ano passado, 2020, (47.773).
Com números aterrorizantes como esses, como então celebrar o lugar dessa infância que virou alvo na rotina Brasileira? Como dirimir tal fruto do racismo que faz de nossas crianças negras escolha de “balas perdidas”? A EGBÉ acredita no cinema como forma de transformação social e por isso busca narrativas que desloquem o alvo, mudando a direção do olhar social, às vezes comovido e apático, às vezes cego para a violência real a que nossas crianças negras são expostas.
Representatividade
Pesquisas comprovam como a representatividade contribui na construção de um imaginário e no desenvolvimento da autoestima do sujeito. Neste sentido, com o aumento do acesso aos meios de produção cinematográficos as narrativas produzidas por cineastas negres têm ganhado cada vez mais espaço e se tornado mais urgentes. Isto porque são narrativas que, além de reconstruir uma memória histórica, também contribuem para o fortalecimento de uma identificação deslocada do olhar branco. Narrativas que, plurais, tocam diversas temáticas e, entre elas, a infância. Mas não somente aquela infância contaminada pela violência, que durante muito tempo apareceu trazendo a criança preta num lugar de miséria, violência e abandono, contribuindo para a construção de um imaginário racista e estereotipado. As novas narrativas de cineastas negres trazem o lugar afetivo dessa infância, as brincadeiras, os risos, traquinagens, a vida em família. Como exemplo, podemos citar alguns filmes: Hair love, de Matthew A. Cherry, Cores e botas, de Juliana Vicente (BR), A piscina de Caique, de Raphael Gustavo da Silva e Dara – a primeira vez que fui ao céu, de Renato Candido de Lima.
A cineasta Luciana Oliveira, produtora da EGBÉ, explica o desejo de trazer esse tema. “Queremos celebrar esses momentos, pois eles existiram, existem e são possíveis. Ressignificar o lugar dessa memória aproximando-a das nossas vivências como um legado poderoso que nos faz narrar, criar, curar e seguir. Desejamos celebrar uma infância preta de alegrias, experiências afetivas, brincadeiras na rua, aconchego na mesa de casa durante o lanche da tarde, o pique-esconde, as brincadeiras na casa da avó. Queremos celebrar a criança preta que fomos e que somos, pois ela vive em nós”, disse.
A EGBÉ acontece de 10 a 16 de abril, de forma virtual.
Por Taylane Cruz